Por Iracilde Rodrigues*
Qual é o significado de uma
indicação ao Prêmio Nacional de Direitos Humanos? Para alguns, pode representar
um compromisso individual ou coletivo com a proteção das liberdades humanas;
para outros, uma contribuição para a efetividade da cidadania. Há quem pense em
vincular tal agremiação à um feito significativo para o fortalecimento da
democracia no país, mas, certamente, ninguém ousaria fazer qualquer associação à
prática violadora de direitos humanos.
Surpreendentemente, o governo
brasileiro pode eleger o Levante Popular da Juventude como um dos ganhadores da
18ª edição do Prêmio, por escrachar acusados
de práticas criminosas durante o regime militar. O Levante é uma organização social que se
propõe, dentre outros objetivos, a contribuir, como o movimento mesmo afirma,
para a “consolidação da plataforma dos direitos humanos”.
Em maio desse ano, centenas de
jovens se reuniram em várias cidades brasileiras para execrar publicamente
seres humanos. Esse foi o objetivo da manifestação protagonizada pelo Levante
Popular, que recebeu o nome de ‘Escracho’. Em nome da presentificação do passado
e da verdade de seus acontecimentos, os manifestantes se dirigiram às residências
dos militares anistiados com alto-falantes e faixas alertando à vizinhança que
ali morava um torturador. Por um instante, a venda da cega justiça os fez
esquecer que estavam rechaçando também os direitos humanos que eles dizem
defender.
Em favor de uma punição simbólica
exemplar, manifestantes do Levante e de outros movimentos sociais, bem como o
conjunto dos grandes defensores de direitos humanos do país, decidiram
legitimar a violação de um princípio constitucional: o da dignidade da pessoa
humana, como se esse princípio não abrangesse a totalidade dos seres humanos,
ou como se a dignidade fosse um atributo exclusivo de alguns sujeitos.
Ninguém tem o direito de expor
uma pessoa de forma humilhante, seja ela quem for, ainda que tenha cometido um
crime de lesa humanidade. Nenhuma pessoa pode desferir ataques contra a honra
de seu semelhante e de interferir na sua vida privada,
na de sua família, no seu lar, conforme preconiza a Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
Muito me entristece saber que
figuras como o jurista Fábio Konder Comparato e o dirigente nacional do MST
João Pedro Stédile, grandes defensores das garantias fundamentais, se curvam
diante do Escracho. Comparato chegou a afirmar publicamente que esse é um “ato
que vai transformar esse país”. Fico me questionando sobre a transformação que
queremos, eu e todos aqueles que lutam diariamente pelo fim da supressão de
direitos humanos no Brasil.
Eu acredito na justiça que responsabiliza
e restaura, e não na que pune, como retribuição à um mal causado. O Escracho é
um movimento que instiga o ódio, a vingança social, e que alimenta o ciclo da
violência. Dificilmente, conseguiremos reparar dores e traumas humanos com
ações arbitrárias e vitimadoras.