Continuo tentando digerir tudo o que ouvi ontem (30), em audiência na casa legislativa do nosso Estado. Em pauta, novamente, o Sistema Penitenciário, como se o eco dos discursos proferidos na tribuna daquela assembléia fosse capaz de reordenar a lógica do tratamento que historicamente vem sendo dado aos condenados. Essas vozes, que deveriam reclamar justiça e humanidade nos ambientes de privação de liberdade, ontem, pelo contrário, legitimaram o uso da violência nesses espaços onde ela já é imperatriz.
Não coincidentemente importaram um coronel das Minas Gerais para defender com contundência a natureza policial e militar do serviço penitenciário e reforçar sobremaneira a criação da polícia penal. Vale ressaltar que o Manual para Servidores Penitenciários, importante instrumento fundamentado nas normas internacionais de direitos humanos, ressalta claramente que a administração penitenciária possui natureza civil e que as funções dos agentes penitenciários se restringem ao exercício da vigilância e cumprimento das normas e regulamentos das unidades prisionais. Ao agente penitenciário são atribuídos os papéis de custódia, educação e regeneração do preso e não o de atuação como força militar.
Como se não bastasse isso, a Penitenciária Estadual de Alcaçuz foi alçada à condição de espaço de regalias por uma representante do Ministério Público.
Em tom de escárnio, o representante do governo do Estado, atual coordenador da administração penitenciária, exaltou sua veia militar, chegando a dizer que se lhe tirassem o sangue, sangue de PM sairia. Nos 15 minutos que lhe foram concedidos, o coronel fez tudo, menos falar de gestão prisional.
Infelizmente, essas foram as vozes que ecoaram mais forte dentro de mim. E, discordando do companheiro Cleber, representante do MOVPAZ, quando afirmava que os discursos proferidos na audiência de ontem eram os mesmos das últimas audiências realizadas, eu afirmo, caro amigo, que eles pioraram bastante. Os representantes do Estado, que só se prestavam a defender-se das acusações pelas práticas violadoras de direitos no âmbito do sistema penitenciário, dessa vez legitimaram suas ações em alto e bom som para quem quisesse ouvir, sem nada temer.
Se não há mais chão debaixo do fundo do poço, o que esperar de uma nova audiência pública daqui a dois, três anos? Temo que manifestações públicas ainda mais irracionais.
É imperativo que a voz dos que consideram a dignidade humana um bem inviolável, possa bradar nos territórios onde a desumanidade já se instalou, caso contrário reviveremos um tempo de sangue militar correndo na veia da nossa nação.