A força do ordenamento jurídico nacional e internacional sobre direitos humanos não tem sido suficiente para garantir humanidade e justiça a um contingente significativo da população brasileira, em especial, a quase meio milhão de presos custodiados pelo Estado Brasileiro no âmbito do sistema penitenciário.
No Rio Grande do Norte, o número de encarcerados já passa dos seis mil, de acordo com informações recentes do Ministério da Justiça, totalizando um aumento da massa carcerária nesse Estado que atinge a marca dos 54% ao longo dos últimos três anos.
Diante desse cenário de ritmo de crescimento a perder de vista, como não questionar o porquê de se prender tanto no nosso país? Por que houve cometimento de delito e a lei penal precisa ser cumprida? Para garantir a ordem e a defesa social? Para diminuir a criminalidade?
Certamente as autoridades que compõem o sistema de justiça criminal e a administração penitenciária escolheriam uma dessas três razões para justificar e legitimar socialmente essa política de encarceramento indiscriminado que foi institucionalizada para manter sob controle toda uma classe: a dos excluídos de cidadania. Eis a razão de ser da pena de prisão. Não é a toa que num Brasil de diversidades de cores, idades e de tipos penais, estão submetidos ao crivo da justiça apenas um seleto grupo de crimes e criminosos.
Os estabelecimentos penais Norte-Riograndenses são ocupados predominantemente por pessoas de cor escura. Não por acaso, elas são reconhecidas pelas estatísticas como a população pobre do país. Essa é uma realidade que se repete em quase todas as unidades prisionais dos estados da federação, o que culmina em um processo de revitimização daqueles que vivenciaram a experiência da pobreza cotidiana quando livres e que permanecem privados de direitos humanos e sociais dentro do cárcere. Diante desse contexto, é ilusão acreditar que esses indivíduos sairão dessas masmorras isentos de traumas e revolta, habilitados a conviver de forma harmoniosa com os seus ‘ iguais’.
A prisão não favorece o vislumbre de um caminho alternativo ao erro. Ao contrário disto, enquanto ambiente segregador, ela reproduz o ciclo da violência e incita a violação de direitos humanos.
A inexistência de uma política penitenciária que assegure condições efetivas de garantia de direitos aos encarcerados é prova do desinteresse da União e dos Estados pelo bem estar do preso. No RN, por exemplo, não existe sequer um profissional das áreas da saúde, educação, direito ou serviço social no quadro de servidores penitenciários ativos, assim como também inexiste uma política que atenda as especificidades da mulher presa.
A verdadeira preocupação da administração penitenciária Norte-Riograndense é com a segurança e com o controle. Isto quer dizer, prioriza-se a prevenção de fugas e transtornos de toda ordem nos estabelecimentos prisionais, em detrimento do respeito e da observância dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana presa. De acordo com o Manual para servidores penitenciários produzido pelo Centro Internacional de Estudos Prisionais e editado pelo Ministério da Justiça, esse desequilíbrio entre segurança, controle e justiça no ambiente carcerário possibilita o surgimento de comportamento violento e abusivo por parte de presidiários e servidores penitenciários, à probabilidade de desordem e a uma ausência de atividades construtivas para as pessoas presas.
Recentemente a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania – SEJUC/RN cometeu o equívoco de legitimar a atuação do já existente Grupo de Operações Especiais do Sistema Penitenciário do Rio Grande do Norte.
O GOE é composto por agentes penitenciários que passarão a exercer atribuições privativas dos militares. É importante deixar claro que são atribuições únicas dessa categoria o exercício da vigilância e cumprimento das normas e regulamentos das unidades prisionais.
Outro ponto a ser destacado é que, de acordo com a portaria que institui o GOE, há a necessidade de os agentes penitenciários que compõem o grupo estarem submetidos a avaliações e treinamentos periódicos, bem como ser disponibilizados a eles equipamentos para intervenção em ocorrências, o que implica altos custos para o Estado em (in) segurança.
Ora, se há verba suficiente para a SEJUC investir na compra de fuzis, submetralhadoras e pistolas para agentes penitenciários, o que tão somente contribuirá para o aumento da violência dentro do sistema penitenciário, é imperativo que sejam asseguradas as condições de humanidade previstas em lei às pessoas privadas de liberdade.
Enquanto persistirem valorizar a justiça que retribui, em detrimento daquela que restaura, Estado e sociedade continuarão colhendo os frutos podres de suas condutas desviadas.
Prezada Iracilde!
ResponderExcluirAntes de tudo, quero parabenizá-la pela iniciativ. Li o arquivo: oportuno e muito bem escrito. Espero que consiga chamar a atenção para o grave problema carcerário deste país que tem servido mais como mero espaço de cumprimento da pena/castigo e instrumento de criminalização dos incluídos marginalmente. As condições sub-humanas aliadas à precariedade das infraestruturais prisionais não recuperam ninguém e estão muito aquém do mínimo desejado. Os nossos gestores deveriam investir mais na prevenção ao crime, no respeito pela dignidade da pessoa humana através da consolidação e implementação de políticas públicas de Estado e não de Governo voltadas à essas categorias e a sociedade ser mais exigente na escolha de nossos representantes. Muito obrigado pela oportunidade, João Dantas Pereira